quarta-feira, 13 de abril de 2016

A leitura está para a mente como a natação para o corpo. A orientação para a leitura de obras literárias no Ensino Médio.

Por Paulo Ribeiro

Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma 
riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem
 uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los
 pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.

Ítalo Calvino. Por que ler os clássicos.

Eu acredito que ler está para o exercício da linguagem como a natação para o exercício físico: é um exercício completo: todos os “músculos neuronais” se contraem e se expandem e se tornam mais fortes e mais resistentes à medida que a prática pode, de fato, receber esse nome; é um exercício orgânico, que desenvolve harmonicamente o todo; é um exercício de alteridade – afinal lê bem quem consegue seguir o raciocínio da autora e se deixa guiar por aquele particular modo de ver o mundo – e de desenvolvimento de personalidade – já que há que reformular e ressignificar o que se lê a partir das próprias experiências; existe algo de inato e instintivo no ler como no nadar, mas em ambos é preciso perder o medo de mergulhar de cabeça e lidar com a água entrando pelo nariz.

É por acreditar nisso que a leitura integral de obras relevantes deve acontecer e acontece. Aqui no Ensino Médio do Hugo essa prática é tão valorizada que lhe reservamos uma aula da semana: para compartilhar impressões ao longo do processo de leitura; para orientar as pessoas estudantes e ajudá-las a trazer à consciência esses processos instintivos que ocorrem enquanto se lê; para contextualizar a leitura e garantir um espaço de reflexão sobre o que foi lido: em suma, para proporcionar as tais melhores condições de que fala Ítalo Calvino, de modo a enriquecer quem se inicia nesse tipo de experiência. 

Agora que esse valor fundamental da leitura está dado, resta ainda pensar o que estabelece a relevância de uma obra a ponto de fazê-la obrigatória. Nesse sentido, indiscutivelmente, e por razões mais que óbvias, o fator vestibular é determinante e de ordem prática: ler as obras que compõem as listas dos principais vestibulares é condição sine qua non para quem quer, de fato, ir bem em tais exames. E é assim que se estabelece a maior parte do que consta em nossa lista: está na nossa porque está na deles. Claro, há muito que se discutir nesse processo impositivo, que ocorre de cima para baixo – e no próprio sistema de ingresso no ensino superior –, mas hoje vamos tentar nos ater a simplesmente analisar algumas dessas escolhas que fizeram por nós e algumas que fizemos nós mesmos com o objetivo de entender a razão de sua escolha.

Nesse sentido, as listas atuais da Fuvest e da Unicamp (confira-as completas aqui) se revelam bem interessantes. Divulgadas em março desse ano, trazem bastante mais do mesmo, mas trazem também novidadíssimas muito bem-vindas. De verdade.

Nesse mais do mesmo repousa muita controvérsia. A maioria dessas obras é do século XIX, tem uma linguagem mais rebuscada e conduz a narrativa com uma lentidão que não é própria do nosso tempo. Livros como os de José de Alencar (Til na Unicamp e Iracema na Fuvest), de Manuel A. de Almeida (Memórias de um sargento de milícias), de Aluísio Azevedo (O cortiço) e mesmo de Machado de Assis (Memórias póstumas de Brás Cubas) são muito criticados: estudantes, responsáveis e mesmo docentes criticam tanto a dita incongruência da escolha quanto a obra em si, que faz a escolha incongruente. Essas obras, entretanto, se justificam enquanto clássicos: são obras que ajudaram a estabelecer ou revelaram e resumem um projeto de Brasil que segue desde a colonização. São livros que revelam nossa história e nossa cultura. Há quem diga que estes textos estão além das capacidades de estudantes de Ensino Médio e que são, de certa forma, um desserviço ao gosto de ler. Esta é, entretanto, para a maioria das pessoas, a única chance de lê-los na vida: só para quem se apaixona ou procura profissionalizar-se na área essa literatura deixa de ser algo de que se ouviu falar na escola.


Das novidades, a inclusão de autores africanos de língua portuguesa é a mais excitante delas: Mayombe, do angolano Pepetela (na lista da Fuvest) e Terra sonâmbula, do moçambicano Mia Couto (na lista da Unicamp) são obras atuais e que falam de realidades estranhas a nós, embora sejam a realidade de países irmãos, que sofreram processos históricos semelhantes ao nosso em alguma medida e com os quais dividimos a mesma herança linguística. Escolha em prol do reconhecimento da diversidade. Maravilha.


Há também obras que resgatam artistas menos (ou nada) clássicos, mas que merecem atenção: Lisbela e o prisioneiro, de Osman Lins, e Minha vida de menina, de Helena Morley são obras que até pouco tempo estavam fora de catálogo nas editoras. O primeiro é conhecido do público pela adaptação ao cinema de Guel Arraes e, além de único livro do gênero dramático, explora uma série de temas: o cinema, o amor, o coronelismo e a malandragem, a vida de interior e a vida mambembe. O segundo nasceu do diário que a autora escreveu na sua adolescência, nos idos de 1893, 1894: um período vital da história de um ponto de vista singular.


Da lista há muitos outros livros de que falar. Os de poemas (Claro enigma, do Drummond, Poemas negros , do Jorge de Lima, Sonetos, do Camões), os contos quase-poemas como os de Sagarana.


Dos livros que acrescentamos à lista, vale destacar: Cidade de Deus, de Paulo Lins, que se conecta, com um toque de contemporaneidade e de lirismo, àqueles livros que expõem o Brasil e sua realidade; O mundo de Sofia, que é uma introdução simples mas bastante correta da história da filosofia ocidental e, por isso, funciona, não só como mais uma história, mas também como livro de referência; e Ligue os pontos: poemas de amor e big bang, que traz uma poesia moderna, sintética, muito bem trabalhada esteticamente e com um fino senso crítico e de humor. 

Todas essas obras têm valor indiscutível. Todas elas merecem leitura. Cabe a nós ajudar a propiciar as melhores condições para que sejam apreciadas. E estamos trabalhando nesse sentido. 

Para saber mais:

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