quarta-feira, 15 de junho de 2016

Precisamos falar sobre política

 por Pedro Mancini

Sim, é um tema ardiloso. Mas, como educadores, não podemos nos abster de falar sobre ele – mesmo (ou principalmente) em tempos de radicalismos e polarizações...

Como é bem sabido, vivemos em um período político delicado, em que a população brasileira se encontra fortemente dividida em concepções ideológicas muito diferentes. Nesse contexto, a instituição escolar aparece como um dos muitos palcos em que os atritos político-ideológicos cotidianos se manifestam, causando grande estardalhaço e numerosas polêmicas: por vezes, educadores e educandos possuem visões de mundo diferentes, causando situações embaraçosas ou até conflitos diretos. Como a escola deve proceder nesses momentos, quando a polarização pauta as conversas políticas cotidianas, e sabendo da responsabilidade e do “poder de palavra” do professor?

Há aqueles que defendem que as crianças e jovens devem ser protegidos das opiniões dos professores, vistos como potenciais “ameaças” às mentes infantes. Essa desconfiança já resultou, inclusive, na aprovação de um projeto de lei em Alagoas que proíbe os professores de manifestarem suas convicções em sala de aula; movimentos similares ocorrem em outras partes do país, como no Amazonas.

O Colégio Hugo Sarmento não compartilha dessa visão, vendo com preocupação um movimento que defende a censura direta dos professores de diversas matérias – o que resultaria, simplesmente, no enorme retrocesso de uma educação que se pretende autônoma, crítica, inclusiva e transformadora. Em verdade, nossa instituição acredita que as aparências enganam e que, na verdade, estamos em um momento muito propício e fecundo para falar sobre política na escola caso escapemos da simples polarização. É a oportunidade perfeita para que educadores cumpram um de seus mais importantes papéis, qual seja: desenvolver o pensamento autônomo e a empatia, preparando os jovens para refletir, questionar, escutar o próximo e se colocar em seu ponto de vista para refinar seu pensamento e suas convicções.

Os professores, ao escaparem da perigosa tentação de explanar seu ponto de vista como o único verdadeiro e possível, podem preocupar-se muito mais em instigar o aluno a se informar o máximo possível e a desenvolver respeito pelas diferentes possibilidades de interpretação dos fatos políticos e sociais, o que acarreta no desenvolvimento de uma convivência ética, pilar de uma sociedade democrática que preza pela diversidade.

Nessa perspectiva, o professor não precisa esconder suas próprias convicções dos alunos, visto que tal obscurecimento, além de desonesto, não seria nada além de uma autocensura que atua em oposição à proposta humanista de consideração a toda visão política que respeite os Direitos Humanos e suas prerrogativas; apenas se precaver para a diferença entre expressar as opiniões e impô-las como as únicas possíveis, ou como moralmente superiores a todas as demais.

Antes de um rival ou um aliado político, o professor deve ser visto (e se fazer ver) como um indivíduo com opiniões a serem respeitadas como quaisquer outras que se pautam em valores humanos básicos, e diretamente responsável por auxiliar o jovem a tratar os demais com o máximo de respeito e consideração, estimulando o debate saudável e construtivo. Desarmado da necessidade de expor seu ponto de vista como o único viável, o educador deve apresentar ao aluno um leque de possibilidades interpretativas sobre a realidade, tal como ajudá-lo a desenvolver as habilidades mínimas para refletir criticamente e construir argumentos válidos e aprofundados para fundamentar suas próprias opiniões, seu próprio posicionamento, sem a necessidade de desrespeitar ou deslegitimar argumentos contrários.

Esse é o objetivo das disciplinas que tratam diretamente de assuntos relacionados ao espinhoso território da política, como Sociologia e Atualidades e Política. A disciplinas como essas cabe a importante missão de desenvolver a civilidade em nossos jovens, auxiliando a sociedade a “desarmar a bomba” do radicalismo ideológico – que constantemente seduz parte dos brasileiros à barbárie do desrespeito e do desprezo pela diferença (e, no limite, à desumanização). Em momentos turbulentos, cabe o desafio de relembrarmos os riscos do fanatismo e as vantagens éticas da convivência com a diversidade, pautada pelos princípios da racionalidade.

No caso específico de Atualidades e Política, trabalhamos o respeito à diversidade de opiniões, o senso crítico e a argumentação mediante a condução de debates orientados sobre temas polêmicos das realidades sociopolíticas nacional e internacional. A grande maioria dos temas é selecionada pelos próprios alunos, enquanto alguns são recomendados pelo próprio professor de acordo com sua relevância; a seguir, cada grupo responsável pela condução dos debates é orientado a ler alguns artigos opinativos sobre o assunto antes da aula, além de poder adensar suas argumentações mediante pesquisas próprias. Nessa dinâmica, os alunos por vezes ficam com a responsabilidade de defender pontos de vista contrários às suas próprias convicções – um excelente exercício não apenas de retórica, mas de empatia por aqueles que não partilham de sua visão de mundo!


Nesse trabalho, contamos com um elevado nível de participação dos alunos, que se sentem satisfeitos pela oportunidade de expor seus pontos de vista e desafiá-los em embates argumentativos pautados pela racionalidade, pela tolerância e pelo respeito mútuo. E de quebra, é claro, desenvolvemos os conhecimentos dos educandos sobre a realidade que os cerca, sobre os últimos eventos do Brasil e do mundo, e os preparamos para tornaram-se adultos responsáveis, respeitosos e bem informados, capazes de ler e interpretar criticamente notícias e opiniões alheias de modo a desenvolverem seus próprios pontos de vista com total autonomia. A seguir, a lista de temas abordados nessas aulas desde o início do primeiro trimestre do ano letivo, seguindo sugestões dos próprios educandos:

- O Zika Vírus e a realização de aborto em casos de microcefalia
- Amamentação em público
- A existência da transfobia
- A abordagem de questões de gênero em sala de aula 
- Críticas à Base Nacional Comum Curricular
- Legalização das drogas: vantagens e desvantagens
- Legalização da prostituição: vantagens e desvantagens
- Processo de Impeachment de Dilma Rousseff: Golpe ou não?
- "Bela, recatada e do lar": Houve machismo na reportagem da Veja?
- Propostas para a reforma política: Voto distrital e proporcional
- Eleições americanas
- Controle sobre o porte de armas: problema ou solução?
- O movimento de ocupação de escolas públicas do Estado de São Paulo
- Órgãos reguladores e o caso da limitação de dados das empresas de telecomunicações

Aos familiares dos alunos, também cabe a tarefa de sempre estimulá-los a se informar sobre o que está ocorrendo no mundo e a desenvolver e fundamentar suas perspectivas sobre esses acontecimentos. Desprovidos dessas informações e do hábito de ler e interpretar notícias e desenvolver opiniões com autonomia, nossos jovens ficam carentes de alguns atributos imprescindíveis para o pleno exercício da cidadania – condição determinante para evitarmos a barbárie e garantirmos a convivência ética um momento tão sensível e inclinado à polarização quanto o atual!

2 comentários:

  1. Maravilha! Concordo totalmente com a postura da escola. Precisamos falar, sim, sobre todos os assuntos, e discutindo abertamente estas questões polêmicas da sociedade, estimulando e informando nossas crianças e jovens, dentro do entendimento de cada idade, para que possam desenvolver espírito crítico baseado em conhecimento, respeito e bom senso.

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  2. Parabéns pelo posicionamento da escola!

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