sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Ainda precisamos falar sobre Política

Por João Francisco Branco
Professor de História e Sociologia


Dois anos atrás, o Blog do Hugo publicou um texto corajoso e irretocável (http://hugo-sarmento.blogspot.com/2016/06/precisamos-falar-sobre-politica.html?m=1), que tratou com maturidade sobre o desafio de falar sobre política e como abordar seus desdobramentos dentro do cotidiano escolar. Com o país já submerso em um período político delicado, a escola não se absteve de encarar o conteúdo repleto de nitroglicerina que é próprio desses momentos de radicalização política, polarizações, divisão ideológica, interdição do diálogo e de esvaziamento completo da palavra. 

E o que mudou de dois anos para cá? Bem, pode-se dizer que não houve ruptura com o ambiente de turbulências e de intolerância política. A bem da verdade, este sentimento de divisão do país é também o fruto maduro da nossa história de séculos: a história do Brasil face a face com a profunda desigualdade social e seu passado colonial que transita com fluidez em nosso presente. Dessa fratura exposta deriva o clima de polarizações, enquanto não solucionarmos definitivamente um problema que diz respeito à negação do acesso de milhões de brasileiros à cidadania, acesso este garantido pela Constituição de 1988 e que completa 30 anos agora.

Somem-se a isso doses cavalares de aversão à política, e pronto... Temos um caldo propício para realizarmos um trabalho significativo dentro da escola! Mas, é sério mesmo isso o que estamos afirmando? Sim! Nos momentos de sombras e banalização das agressões por motivações políticas, o papel de educadoras e educadores ganha contornos ainda mais nítidos: desenvolver o pensamento autônomo e a empatia, preparando os jovens para refletir, questionar, escutar o próximo e se colocar em seu ponto de vista para refinar seu pensamento e suas convicções, como já escrito dois anos atrás neste blog. 

Em outras palavras: encontrar na escola um espaço de exercício da liberdade, para manifestar seus posicionamentos e, principalmente, mais do que tudo, de exercício da escuta. Um espaço de diálogo, enfim. É dentro de um ambiente onde as diferenças podem ser expostas e discutidas que se pode criar uma cultura de aceitação. Escutar e ser escutada(o) é, no limite, um movimento de se reaproximar da política; de remar no sentido inverso do monólogo que muitas vezes se impõe e que nada mais é do que um estado de desumanização, esse que resulta do desprezo à diversidade e da barbárie do desrespeito. Neste sentido, desenvolver nossa individualidade plena e livre passa pela questão de lidar com os terrenos do dissenso e orientar-se para um sentido comum, que é a busca do entendimento entre todas e todos e da igualdade na diferença. Porque é disso que se trata: somos diferentes, não desiguais.

Aproximar as e os estudantes das discussões e da quantidade de temas que se apresentam durante o período eleitoral é também nossa tarefa para e superar o obstáculo mais difícil neste percurso: a repulsa generalizada à política e suas esferas de atuação. E afastar da política significa silenciar o próprio corpo, e nosso trabalho é também ressaltar o fato de que nossa vida cotidiana é feita por política, nossos ritmos, nosso tempo, hábitos, deveres e obrigações são orientados por decisões políticas em algum âmbito, e que abrir mão de se interessar por essas questões promove uma renúncia ao desenvolvimento da autonomia, das individualidades, do bem comum. O processo de aprendizagem na escola também passa pelo amadurecimento de jovens que tenham noção de sua responsabilidade consigo mesmo e com os outros.

É dessa forma que os trabalhos pedagógicos relacionados às Eleições 2018, no Hugo, se orientaram dentro deste significado profundo que é reverter um processo de sabotagem que se inicia no próprio pensamento – caracterizado pelo desinteresse automático em não lidar com questões ligadas à própria vida, à política, enfim. Propusemos às e aos estudantes que levantassem temas pertinentes no Brasil de hoje e como estão sendo debatidos em diversas esferas ligadas à política, assim como pesquisar como tais temas aparecem nas propostas dos programas de cada candidato – coligação para a Presidência da República – e em mobilizações de segmentos da sociedade (movimentos sociais, organizações não governamentais, órgãos multilaterais, matérias jornalísticas, etc.) Foi nesse contexto que temas como o Estatuto do Desarmamento, ampliação da legalização do aborto, igualdade de gênero, LGBTQ+, reforma política, privatização, pena de morte, racismo e desigualdade social, entre outros, foram escolhidos pelo próprio grupo de estudantes do Ensino Médio para serem abordados em fóruns de discussões coletivas.

Essa vasta gama de material foi objeto de pesquisa dos grupos e está sendo apresentada e debatida ao longo deste mês, completando um processo que desde seu início teve como primazia o estímulo ao protagonismo de cada estudante como sujeito político, a partir do pensamento crítico, da escuta e da atuação. Neste exercício de prática e pesquisa constantes, pudemos ver e descobrir como são diversas as propostas, o que cada candidato pensa, como se constroem programas de governo e como a sociedade organizada se posiciona frente a questões tão delicadas. Ao se colocarem diante de tais desafios, as e os estudantes têm, por um lado, a percepção da importância de sua atuação dentro da sociedade; e, por outro, se deparam com as diferentes posições políticas presentes na mesma sociedade.  

As discussões também colocaram todas e todos para lidar com os problemas concretos do país, se desafiarem e construírem argumentos, lidarem com perguntas embaraçosas, escutar e dialogar com visões opostas. Encarar cada situação como um problema nosso – pois a sociedade diz respeito a todas e todos - e dividir responsabilidades, ao invés de negá-las.  Neste sentido, o trabalho desenvolvido pelos estudantes junto com a professora Adriana é de encher os olhos, ao reproduzirem as práticas nascentes orientadas pela ideia de mandatos coletivos, onde o grupo se dedicou a elaborar Projetos de Lei Municipais destinados a promover a implantação de políticas públicas de Ecobairros. Esses projetos serão entregues na Câmara Municipal, conforme combinado em nossa visita à Casa, no dia 3 de outubro.

 

Assim, nos trabalhos pedagógicos sobre as eleições, não buscamos defender ou agredir partidos ou propostas, mas trabalhamos para ultrapassar a ideia de que o debate político se dá somente em período de eleição, para refletir sobre a política para além do voto. Perceber que as questões políticas e os temas relevantes para a sociedade são parte de nossas vidas coloca as e os estudantes a pensar que a política está em nosso cotidiano e não somente na urna a cada 2 anos. Essa reflexão nos ajuda a entender, por exemplo, que uma marcha que envolveu centenas de milhares de pessoas, organizada por diversos coletivos de mulheres, não teve o objetivo de apoiar determinado partido político, e que seu foco foi mais amplo e profundo: a liberação da opressão histórica de uns sobre outras.

Nesse sentido, debate não é exatamente um substantivo – concreto, estável e estanque –, pois,  aproxima-se muito mais da dinâmica e movimento de um verbo. O verbo que deve ser praticado todo dia, porque só assim, se colocando em disposição a dialogar, escutar e aceitar, podemos nos liberar da tragédia criada pela convicção de “só o que eu digo importa”, e de que “o outro é um ser abominável se expressar um pensamento que difere do meu”. O trabalho pedagógico consiste exatamente nisso, recuperar e construir permanentemente o trilho onde as palavras deixarão de sair e retornar vazias de significado. 

Ressaltamos, por fim, que admitir a amplitude do que é fazer/debater/atuar na política é uma grande contribuição para que possamos, coletivamente, superar esses tempos áridos de ódio, violência e anulação de subjetividades e corporalidades diversas.  A aridez exige exatamente que nos movamos mais, como educadoras, educadores, indivíduos, comunidade. A proposta de abrir o leque de informações, estimular o debate e contrapor propostas é, no fundo, uma convicção de que os jovens de hoje possuem total capacidade de reescrever o futuro, porque isso sempre é possível; é aí que reside a força da política como prática coletiva e de respeito à diversidade de posicionamentos. Dentro desta atitude de construir outros imaginários para nossa vida em comum, este nosso trabalho pedagógico está longe de terminar. Ele se estende ao longo de toda a vida.

4 comentários:

  1. Muito obrigado pelo texto professor. Confesso que sempre estive aberto a conversas sobre política, música e religião (futebol não me atrevo kkk), todavia, nos últimos anos tenho encontrado muita dificuldade de estabelecer empatia com meus interlocutores.
    Estamos cada um cada vez mais dentro de uma bolha menor?

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  2. Parabéns que atitude de vanguarda e solidamente educacional.
    Bjs

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  3. A despeito de concordar com a íntegra do post e de parabenizar o professor pelo conteúdo, essa utilização de as/os, alunos/alunas, todos/todas, etc me parece um exagero. No extremo, lembra a época em que se propunha que anões (ou "pessoas com nanismo") fossem chamadas de "pessoas verticalmente prejudicadas". Todos os preconceitos e todas as desigualdades, incluindo as de gênero, devem ser combatidas. E isso deve ser feito com foco nas questões essenciais. Sim, a linguagem é um aspecto essencial, e MUITA coisa pode e deve ser abordada nesta área. Mas essa utilização dos artigos e pronomes NÃO é essencial, e na minha opinião contribui para a desqualificação das justas e necessárias batalhas a serem travadas no campo semântico...

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  4. Excelente o texto e o direcionamento da escola. Parabéns!

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