quarta-feira, 10 de junho de 2015

Sobre escolas e palavrões

Por Pedro Mancini


Dentro da turbulenta rotina escolar, o “palavrão” é um dos grandes fantasmas que assustam pais e educadores, causando grande constrangimento nos lugares em que se manifesta. Usados tanto para extravasar as tensões como para agredir colegas, os palavrões são ditos não apenas pelos mais velhos, como por crianças bem pequenas que, percorrendo diferentes círculos de sociabilidade, estão especialmente sujeitas às mais variadas influências durante o processo de formação da linguagem. 

Muitas dessas crianças estão apenas experimentando palavras recém-descobertas, sem entender o seu significado imediato; essas novas palavras são ditas de forma acrítica e fora de contexto, muitas vezes resultando em um “erro de comunicação” pelo uso incorreto dos termos usados. A criança, desconhecendo o significado real do “palavrão”, utiliza-o sem conhecer os reais impactos da palavra frente ao outro, ou seja, sem imaginar o quanto ele é capaz de machucar ou indignar aqueles com quem ela interage. Nesses casos, educadores e pais detém o papel de informar os significados dessas palavras, incluindo, aí, seu potencial ofensivo, de modo que a criança desenvolva suas habilidades linguísticas e escolha melhor as palavras a usar nas conversas em que se engajar.

A utilização do palavrão, entretanto, nem sempre é inocente da forma acima apontada. Especialmente entre os adolescentes, seu uso é corrente e consciente, mais próximo do uso dado pelos adultos na sociabilidade com seus pares. As pessoas utilizam o palavrão para demonstrar frustração, raiva, revolta ou até emoções positivas, como a alegria de conquistar uma boa nota de modo inteiramente imprevisto; embora controverso, o palavrão cumpre, desse modo, a importante missão de expressar fortes emoções represadas, que acabam por “escapar” de forma explosiva. De certo modo, pode ser um sinal claro de que a pessoa está “viva”, no sentido mais pleno do termo, mesmo em situações sociais totalmente inapropriadas.

Muitas vezes, assim, vemos que o “mau uso” do palavrão não está na incompreensão de seu significado, mas na falta de reconhecimento dos momentos cabíveis para sua utilização. Como modo informal de comunicação e de expressão de sentimentos, ele é utilizado entre amigos em ambientes e momentos de descontração: em casa, em festas, na rua, entre outros. Já em um ambiente profissional, um funcionário pode encontrar sérios problemas ao utilizá-lo na frente de seus colegas e superiores. O palavrão, por mais que possa ser individualmente libertador, é inapropriado a uma série de situações sociais – e seu uso desenfreado pode resultar em graves prejuízos para as relações estabelecidas pelo indivíduo. 

Voltando ao campo da educação, para uma escola acolhedora e voltada a ideais mais democráticos – menos focada, portanto, na “obediência acrítica” de seus alunos –, a questão do palavrão torna-se ainda mais complexa. É possível incentivar a expressão pessoal reprimindo totalmente essa espécie de manifestação linguística? Como escapar do simples “moralismo” da proibição do palavrão “porque é feio”, sem cair no erro de fazer vista grossa a desconfortos causados pelo seu uso impensado? Acima de tudo, cabe à escola preparar a criança para viver em sociedade, aceitando o convívio com o diferente e o contraditório, e essa consideração deve nortear qualquer postura da instituição frente à tolerância aos palavrões no cotidiano, evitando-se os extremos do autoritarismo moralista e da liberalização irrestrita – e, portanto, irresponsável.

Para cumprir nossa missão, precisamos desenvolver a habilidade de comunicação e de empatia dos educandos, garantindo que aprendam a ouvir e a serem ouvidos sem recorrerem à violência física ou verbal para resolver suas disputas diárias. O palavrão, quando utilizado para atacar o próximo (e não apenas ele, já que há inúmeras formas de ofender sem utilizar palavras vulgares), encerra a possibilidade de compreensão mútua e de resolução racional e moderada de conflitos. Nesse sentido, é importante que a criança aprenda a resolver disputas sem recorrer a estratégias para minimizar e ridicularizar o outro, operacionalizadas, muitas vezes, pela apropriação do palavreado vulgar. A utilização de palavrões nessas ocasiões, diferentemente do palavrão como “desabafo emocional” não-agressivo, deve ser combatida com vigor em todos os ambientes, dado que dificulta a plena convivência pacífica e democrática – aprendizado que se faz urgente em dias tão turbulentos como os atuais. 

Além disso, é preciso preparar o jovem para perceber as regras sociais que operam nos diferentes ambientes em que irá frequentar – para cada um desses espaços, há normas de convivência específicas, tanto explícitas quanto implícitas. Desse modo, há horas e lugares determinados para o uso de palavrões e de outras formas expressivas – como na sociabilidade entre amigos, conforme já citamos. É possível (e, às vezes, até desejável) contestar tais regras de convívio social, mas o indivíduo deve estar ciente dos riscos que assume ao fazê-lo. 

O uso do palavrão, em momentos de maior seriedade e formalidade, por exemplo, pode resultar em situações bem embaraçosas, além de gerar conflitos desnecessários. Em um debate com fins construtivos, um vocabulário desse tipo pode desestabilizar a discussão, inviabilizando um consenso racional a respeito da questão em pauta. Quando usado no diálogo com o professor, pode transmitir descaso com o profissional e seu papel, possibilitando atritos na relação educador-educando que resultam em prejuízos indiretos para o aprendizado.  Enfim, o mesmo palavrão que pode aproximar, real ou ficticiamente, amigos e colegas ao facilitar a expressão de seus sentimentos em momentos de descontração, pode, fora de contexto, prejudicar ou romper relações caras para nossos jovens.

Compete à escola colocar esses pontos em pauta, problematizando-os com os alunos no dia a dia, ao invés de deixar-se assustar pelo fantasma da vulgaridade. Os palavrões devem ser encarados de frente, mas sem moralismos superficiais, para que possamos fomentar as mais plenas formas de convivência democrática entre nossos garotos, preservando relações respeitosas e construtivas. 

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