quarta-feira, 16 de setembro de 2015

A Geografia e o despertar para a dinâmica das cidades

Por Caroline Araújo


Se perguntarmos às pessoas de modo geral “O que é a Geografia?” ou “Por que estudamos essa disciplina?”, a maioria das respostas será sempre voltada à sua relação com a Cartografia, de maneira superficial e óbvia: pintura de mapas, latitude e longitude, com ênfase na ”decoreba”, para saber todas as capitais de países e estados, conhecer todos os rios do país e por aí vai. 

Entretanto, a Geografia vem para ajudar a despertar o olhar, ajudar também a não perdê-lo, isso desde a primeira infância, quando começamos a compreender que existe um mundo além de nossas casas. Ela planta uma sementinha que desperta a curiosidade pelo novo e instiga a querer saber mais sobre o velho, faz relações com outras disciplinas, de modo que o resultado seja a compreensão do funcionamento dessa “máquina” que se chama planeta Terra.

Desde a Educação Infantil, nossos alunos vão se apropriando dos conhecimentos de forma contextualizada, dentro dos projetos como o das Crianças do mundo, dos animais dos Polos, o Universo. Chamamos estas aproximações de "alfabetização cartográfica".

As Ciências Sociais, a partir do Fundamental I, compostas pelos conhecimentos da Geografia e da História, vão trazendo as informações sobre as características do nosso planeta e de suas transformações a partir da ação do Homem.


No ensino fundamental 2, um dos temas de estudo da Geografia se refere à dinâmica e transformações diárias que vivemos nas cidades, atentos ao clima, à economia, ao nosso dia a dia.

Para SPÓSITO, em seu livro “A Dinâmica das Cidades” “[...] não basta apenas observá-la ou viver nela. É preciso observar a sua dinâmica, a sua geografia e a sua história. Ou seja, é preciso observar a movimentação das pessoas em suas ruas, as relações comerciais, onde estão localizados os estabelecimentos industriais [...]” e muitas outras informações que por muitas vezes passam despercebidas, que não são despertadas no período escolar e vão sendo deixadas de lado na fase adulta.

Vivemos uma rotina incessante e desgastante, onde os horários, os percursos, o vivido são sempre recomeçados de forma idêntica, nos fazendo não olhar lá para o lado de fora do vidro do carro, tirando de nossos olhares o despertar para o novo, novo que acontece em questão de dias, horas, segundos, num piscar de olhos. 

Quando vão para o 6º ano, os alunos são voltados para o olhar do percurso, dos mapas mentais, dos croquis, imagens de satélite, fotografias aéreas. Exemplos vividos em sala de aula foram os trabalhos com o 6º e o 9º anos.  No 6º, demos foco a uma atividade de mapa mental: PAGANELLI (2007) afirma que “expressar-se graficamente também é um processo a ser construído. Desenhar uma casa, uma rua, uma granja, um jardim ou a planta de povoado exige abstrações empíricas e reflexivas, coordenação de um ponto de vista e relações e operações topológicas projetivas e/ou euclidianas devem ser acionadas.” Ou seja, os alunos devem pensar em estratégias, usar o imaginário e aguçar a observação dos espaços percorridos e projetar toda essa informação em um espaço reduzido, nada comparado ao real. E como fazer isso?

Durante as aulas construímos um diálogo pautado nos endereços dos alunos; este foi nosso ponto de partida para abrir mais questionamentos e observar se eles sabiam onde moravam. A partir daí, as perguntas base foram:

•  Quais tipos de locomoção utilizam de casa para a escola?
•  Quais as ruas percorridas?
•  Na volta, fazem o mesmo percurso?

Demos exemplos de mapas mentais, tipos de percurso e croquis, tanto do livro didático, quanto de imagens selecionadas para aula expositiva, por meio do PowerPoint, para distingui-los e ampliar o conhecimento, para que em casa os alunos construíssem seu mapa de forma mais eficiente. De uma escala que sai do “eu” e se expande para “um todo”, fazendo com que os alunos queiram saber por onde andam, quais são os caminhos escolhidos para irem até a escola, na volta para casa, na casa do amigo. Orientação e distâncias são fundamentais para que, assim, quando chegarem ao 9º ano, já tenham a percepção das transformações com uma visão mais humana.

A partir daí, a base seja fugir dessa rotina massacrante a que estamos habituados e achamos tão comum. Como fazer isso? Como trabalhar com os alunos essa nova visão? Por meio de uma palavrinha que tem um grande significado – a SERENDIPIDADE. 

Mas o que significa essa palavra tão complicada? Se procurar no dicionário de Português, está lá - “se·ren·di·pi·da·de (inglês serendipity) substantivo feminino:

1.  A faculdade ou o ato de descobrir coisas agradáveis por acaso.
2.  Coisa descoberta por acaso.”

E como consigo agir serendipidamente? Fugindo da rotina! Como? Mudando os caminhos, refazendo seus percursos! 

Sabemos que hoje nossas práticas são baseadas em torno do que seja seguro, o que nos faz limitar nossas ações no cotidiano. O discurso sobre o mundo e a violência na qual vivemos é frequente, reduzindo a nossa vida ao que nos aproxima do que nos protege. Vivemos com medo, as notícias estão aí para comprovar, mas será que nos limitarmos ao ponto de vivermos em núcleos não nos faz reféns?

Trabalhar serendipidade dentro do conteúdo de Geografia é ampliar a bagagem, é tornar humano. É notar um novo prédio e perceber seus benefícios ou malefícios para aquele local. É sair para ir à escola e usar novas rotas, e no meio do novo descobrir o novo, como o quê? Um sebo que nunca fora notado, uma praça com atividades de lazer que nunca havia sido vista, pois nunca havíamos percebido ela ali. Um morador novo que se mudou há pouco, a beleza e a depressão da vida em uma cidade. A exemplo disso, os alunos do 9º ano foram questionados sobre o entorno de onde vivem, se conseguiam identificar mudanças das mais simples às mais significativas na proximidade de suas casas, se conversavam com seus pais, parentes ou até mesmo vizinhos mais antigos para saber se as mudanças foram muitas. A aula foi pautada no despertar da curiosidade em saber a história do bairro onde vivem e, assim, elaboraram algumas questões para a atividade que fariam em casa.

Procissão na R. Girassol, em 1951

A atividade designada foi uma entrevista e eles tinham que entrar em contato com algum morador antigo do bairro onde moram, poderiam ser parentes, como avós ou vizinhos próximos, e aplicar as questões durante a entrevista. O resultado foi muito positivo, a maioria quis falar sobre o que descobriu, sobre as relações e transformações sofridas no local. O resultado disso foi o contato, a história, o imaginário, a percepção.

As aulas são pautadas no olhar da Geografia Humana, mas, claro, sem jamais tirar o mérito dos trabalhos com mapas, sem jamais deixar de fazer as relações com as dinâmicas físicas que a Geografia tem como raiz. A partir desse olhar, – em conjunto com Geografia Humana e Geografia Física – o aluno terá capacidade de interpretar as ações, como uma casa construída em lugar de risco, associar os alagamentos em certas regiões por conta do relevo, entender os motivos de algumas regiões serem mais chuvosas ou frias que as outras e por aí vai. Dando valor aos trabalhos com mapas e a sua devida importância à Cartografia, fugindo da pintura “artística” [pintar por pintar] e fazendo relações e interpretações da maneira mais adequada e valorizada possível.


Como mencionamos no início do texto, Geografia vai além da decoreba, Geografia deixa de lado a visão introspectiva do mundo e parte para a expansão do conhecimento. É necessário que as aulas sejam baseadas na quebra dos paradigmas vividos por ela, e o principal deles é que o aluno deva saber se auto referenciar no espaço, mesmo que não conheça todas as capitais dos estados; afinal de contas, já temos os Atlas Geográficos, inclusive as ferramentas digitais, para nos auxiliarem nisso.

NOTA
"serendipidade", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/serendipidade [consultado em 01-09-2015].

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