quarta-feira, 15 de março de 2017

O Grafite nas aulas de Sociologia e Artes: quando a polêmica do dia a dia motiva as conversas, reflexões e experimentações na escola

Por Pedro Mancini e Tania Vasone

Na volta às aulas, em fevereiro, nos deparamos com um acontecimento em São Paulo: João Doria Júnior, prefeito recém-eleito, manda apagar os grafites da Avenida 23 de Maio na operação intitulada “Cidade Linda”. Aproveitamos esta notícia, amplamente divulgada nas mídias e redes sociais, para discutir com nossos alunos várias questões de cunho cultural, social, histórico e artístico.

A primeira delas: O que é Arte? Partindo dessa provocação inicial, mostramos para eles diversos estilos e artistas de todos os tempos, enquanto discutíamos a questão de como a sociedade definiu o que é “arte” em cada período histórico, até chegarmos ao grafite e à pichação. Pedimos a eles, então, que procurassem notícias e artigos de opinião e que, então, se posicionassem sobre este assunto tão polêmico. 


A partir de suas reflexões e das notícias selecionadas, outros assuntos apareceram: se é legítimo que o prefeito declare o que é arte ou não; se deve tomar decisões sobre o uso do espaço público sem conversar com os envolvidos; sobre a lei que diz que pichar é crime e sobre o fato de que, antigamente, grafitar também era; sobre o direito dos grafiteiros, que têm suas obras pichadas e agora apagadas; sobre a arte que sai dos museus e democraticamente se expõe na rua; sobre as transformações na cidade e, enfim, sobre o caráter efêmero da arte. 

Enquanto o debate sobre a relação entre grafite, pichação e arte ocorria nas aulas de Artes, as aulas de Sociologia abarcavam uma questão similar na segunda série do Ensino Médio, a saber: “Pichação é cultura?”. 
O professor aproveitou os quentes embates entre o prefeito e os pichadores para debater a respeito do caráter abrangente dos hábitos culturais de uma sociedade, “quebrando”, a partir da visão construída pela Antropologia, ao longo de sua história, a visão elitista sobre a ideia de “cultura” – por vez ainda associada ao limitado mundo “sofisticado” dos museus e teatros clássicos, com acesso muito restrito a amplas camadas da população. 

Com o provocador estudo da cultura a partir da intervenção dos pichadores na cidade, acentua-se a percepção da cultura como conjunto de práticas (inclusive artísticas, mas não só), conhecimentos, costumes e crenças compartilhados por certos grupos sociais com diferentes tamanhos e graus de diversidade. Assim, a arte popular, inclusive a pichação, também é cultura – independentemente de sua legalidade, que traz outras questões para debate! Desse modo, para além de desenvolver seus conhecimentos sobre o que, de fato, é “arte” e “cultura”, os alunos aprenderam a destrinchar um assunto, desenvolvendo argumentos sólidos para fundamentar suas opiniões sobre temas amplamente debatidos em seu meio social, separando argumentos legais de outros tipos de fundamentação. Voltando ao exemplo da pichação, os alunos aprenderam quão importante é refletir sobre o que é judicialmente condenável ou até repudiado por boa parte da população urbana, podendo ainda assim (ou por isto mesmo) se tratar de uma prática cultural e artística.


Com os debates tocados em sala de aula, a maioria dos alunos chega à conclusão de que grafite é arte, sendo que todos o apreciam, e que a pichação  é  uma manifestação de parte da população que deseja transgredir a ordem estabelecida, uma forma de expressão de ideias, uma maneira de mostrar a revolta, de mandar mensagens ou marcar territórios.  A grande maioria dos alunos, contudo, não gosta de pichações por serem feitas em lugares particulares sem o consentimento do dono, para além do julgamento sobre a qualidade estética das letras e rabiscos.

Com os alunos já posicionados sobre a polêmica, mostramos os grandes nomes do grafite brasileiro, como: Nunca, Eduardo Kobra, Tikka, Crânio, Nina e Os Gêmeos, e do mundo, como Basquiat  e Banksy.


Alimentados de tantas ideias e imagens maravilhosas, produziram, então, seus próprios trabalhos de intervenção, que logo poderão ser apreciados pelos espaços da escola.



3 comentários:

  1. Parabens por levar essa discussão â sala de aula, importante não só do ponto de vista da arte, mas também da cultura de paz

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  2. E vocês tem a arte de ensinar. Concordo com a análise dos alunos. Parabéns a todos os envolvidos nesse belo trabalho.

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  3. Discussão mais do que importante, necessária!
    Compartilho um link para um video de uns 4min no YouTube sobre evento realizado no dia 13 de fevereiro que discutiu esse assunto. Um abraço.
    https://www.youtube.com/watch?v=C7gtb-qBxbE&feature=youtu.be

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