quinta-feira, 7 de junho de 2018

As Ciências Humanas e o Estudo do Meio em Paraty

Por João Francisco Branco


Nos dias 26, 27 e 28 de maio deste ano, as alunas e os alunos do Ensino Médio partiram para a viagem de Estudo do Meio com destino a Paraty, no Rio de Janeiro. Podemos dizer que foram dias marcantes dentro de uma jornada que está envolvendo muita aprendizagem e a valorização da memória e da preservação. 

Eleger uma pedagogia estruturada por projetos requer uma aproximação entre as disciplinas e a busca constante por outras formas de ensino e aprendizagem. Dentro desta proposta, o Estudo do Meio tem papel central, marcando o aprendizado e as vivências de estudantes, professoras e professores; neste sentido, acabamos de retornar de um momento fundamental para a sequência das atividades que permeiam a proposta do Hugo para este ano, cabendo a lembrança de que a proposta que reúne toda a escola é abordar os vários aspectos  relacionados aos Problemas Ambientais Globais que estamos enfrentando. Trata-se de um grande desafio, porque o intuito não é somente elencar as causas, cenários e projeções para uma questão tão problemática, mas, também, conhecer experiências que enfrentam esta realidade e propõem soluções, alternativas e reflexões sobre este drama que interdita a vida no planeta.

E assim, foi com este propósito que Paraty entrou em nosso projeto interdisciplinar. Mas por que Paraty? Qual seria o lugar da História e das Ciências Humanas nos estudos sobre o processo de agressão ou de preservação do meio ambiente? Bem, a verdade é que Paraty é um daqueles lugares onde os percursos da História permitiram sua conservação; e assim cristalizou-se uma cidade, um lugar, com muitas particularidades. Isso tem a ver com a enorme diversidade relacionada ao bioma, a proximidade da Mata Atlântica, os recortes do mar, os rios, a beleza natural, o conjunto arquitetônico preservado... mas não só! Também tem muita relação com as diversas culturas que se mantém na região: Paraty é um lugar formado por povos. E entendemos que refletir sobre os problemas que colocam em risco a biodiversidade é também pensar sobre a preservação da diversidade cultural. 

A partir desta relação, escolhemos uma palavra para guiar esta jornada, ainda no espaço das aulas que antecederam nossa saída. Pensamos sobretudo nos diversos significados que a palavra preservação carrega... e assim esta ideia se tornou o fio condutor de nossa viagem: iniciamos uma jornada de reflexão sobre a preservação da memória e a preservação da diversidade cultural como elementos importantes para nos envolvermos com a questão da preservação ambiental. Afinal, antes de ir, nos perguntamos: o que significa preservar a memória social, a história de um país, suas culturas, preservar o meio ambiente? Qual a importância para a formação de uma sociedade? Como cuidar da memória? Como valorizar nossa cultura a partir da memória? O que tudo isso tem a ver  conosco individualmente e como grupo?

A grande possibilidade que o Estudo do Meio traz é a aventura do aprendizado e do conhecimento a partir da experiência. Sabendo disso, ao longo da preparação para a viagem tivemos o cuidado de introduzir os variados temas com os quais os/as estudantes iriam se deparar. A História de Paraty foi abordada a partir de diferentes ângulos que podem se complementar: a História da cidade, a importância do Patrimônio como preservação da Memória, da arquitetura e da cultura, as festas tradicionais de Paraty, as questões ambientais, as populações tradicionais e os povos caiçaras da região (sua cultura, saberes, viveres). Uma introdução com a dosagem certa para não retirar da viagem o prazer da descoberta e da memória que é criada depois de se viver a experiência. Por alguns dias, o aprender encontrou outros caminhos e novos contornos, tocando diretamente a realidade.

O sentido da preservação, tão intrínseco aos cuidados com o meio ambiente, também se nota no reconhecimento de Paraty como Patrimônio. Aprendemos que a designação de Patrimônio Histórico traz dentro de si a importância da preservação da História e da cultura de um lugar, e isto só é possível se nos preocuparmos com a preservação da memória que remete a este espaço. Ou seja, não bastava direcionar o olhar e a escuta apenas para uma preocupação com a preservação ambiental que estivesse separada da preservação das pessoas e das culturas tradicionais. Como nos contou a guia Regina, durante nosso percurso pelo centro histórico, as culturas populares de Paraty fazem questão de se colocarem como a memória viva da cidade; em suas palavras, “vivem o ontem, o hoje e o amanhã”, exatamente porque fazem parte daquele lugar.

 

É gratificante notar que este pensamento se concretizou durante e depois que retornamos da viagem. Nos textos que escreveram sobre o significado da ida a Paraty, os estudantes exercitaram, com muita propriedade, este olhar que foi capaz de articular as propostas de cada atividade, como observar as construções arquitetônicas, a importância dos manguezais e os efeitos causados pela ocupação urbana, a análise de diferentes amostras de água e a responsabilidade que temos em relação a seu uso, sem deixar de enxergar as pessoas que fazem parte deste lugar. Problematizaram inclusive a questão da ocupação do centro histórico de Paraty, observando o acúmulo de resíduos causado pela intensa circulação de turistas, as subidas das marés e seus efeitos na parte urbana da cidade, enfim, estes momentos que a humanidade aprende que não é possível controlar todas as ações da natureza. 



Aprendemos, também, que não existe apenas uma possibilidade, uma forma correta de viver, e que outras comunidades vivem de outras maneiras e que também estão buscando soluções no que toca à questão do saneamento, do tratamento da água e da destinação de resíduos, sem deixar de pensar no entorno onde vivem. Este modelo foi visto na comunidade EMAÚS, por exemplo, uma ONG criada na França com o objetivo de tirar moradores de rua desta situação, e que conta com uma unidade em Ubatuba. Esta unidade conta com 25 casas além de um espaço para agricultura, de onde vem boa parte da comida consumida na comunidade. Como bem descreveu um dos nossos estudantes, “para desenvolver a agricultura o Sr. Jorge (que é um líder  comunitário), com ajuda de biólogos e moradores, criou um sistema de saneamento básico que, por sua vez, não abastece apenas o Emaús, mas sim todo o bairro. A comunidade mantém uma relação saudável com o meio ambiente, sabendo usufruir dele ao mesmo tempo que o preserva”. 


Esta e tantas outras foram ótimas percepções sobre o sentido da viagem. Conhecer coisas novas e diversas, aprender com elas. Por fim, para além deste imenso sentido pedagógico, o Estudo do Meio envereda por questões subjetivas de cada estudante. Abre novas janelas para o relacionamento com os colegas, para conhecer outros lugares e pessoas diferentes, o que os leva até a se reconhecerem de uma forma que não imaginavam ser possível. Em muitos escritos, essa descoberta sobre si mesmo, sobre os colegas e sobre a união do grupo que a viagem propiciou, também foi mencionada.

Por esses e tantos outros motivos, a viagem a Paraty, em meio à sua reconhecida importância de encontrar a História, tornou-se também um espaço para tecer memória entre os colegas que foram para o Estudo. E quantas são as lembranças que pudemos colher de lá, nos momentos de trabalho e nos momentos de lazer, no exercício de escuta pelos diversos lugares que visitamos, na forma natural como o convívio e a aprendizagem se misturam para criar um momento marcante na vida de cada um e no grupo. É que, afinal de contas, a memória nos dá sentido comum: cria sujeitos coletivos, nem individualistas nem competitivos. Nestes dias que sucederam a viagem, nós, professores, estamos vendo como isso vem se materializando nas salas de aula. 

Uma viagem de Estudo de Meio é um processo completo de aprendizagem porque deriva da experiência. Não à toa, nossos estudantes retornaram destes três dias cheios de histórias e lembranças para contar. E, dentro de toda esta vivência, vimos que a questão da preservação transcende os problemas com o desmatamento, poluição e consumo. Tem a ver conosco e sobre como nos relacionamos com os outros e com o mundo, a partir do cuidado com o bem comum. Que nossos estudantes desfrutem das próximas viagens, estas que vêm da inesgotável capacidade de aprender e de ser e estar no mundo!


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